Três pontos sobre…
… Trifon Ivanov: “O Lobo Búlgaro”, venerado por toda uma geração
(Imagem: Gazeta Esportiva)
● Ele metia medo nos adversários. Não só pelo seu estilo de marcação deveras viril, mas também pela sua fisionomia digamos… feia: olhos grandes e esbugalhados, barba rente a um rosto triangular com faces fundas e mullets desgrenhados.
Era um zagueiro rude, de futebol limitado, mas que marcou época. Diversas pessoas quem nunca o viram jogar o veneram como um ícone cult. Na Copa do Mundo de 1994, Trifon foi um personagem fundamental na porta de entrada do futebol para vários novos aficionados. No inesquecível álbum de figurinhas da Copa, a de Ivanov era das mais queridas e concorridas no jogo de bafo. Pouco importava que ele não fosse o craque de um time com o capitão Borislav Mikhailov, Yordan Letchkov, Krasimir Balakov, Emil Kostadinov e Hristo Stoichkov.
Lembrado pela sua aparência peculiar, foi um do mais icônicos jogadores de seu tempo. Era um beque regular, marcador duro, mas um profissional exemplar, sem apelar para a deslealdade. Raçudo, demonstrava uma dedicação total e sem fim e era uma liderança inconteste na equipe. Ganhou a admiração de todos os telespectadores que acompanharam a bela trajetória da seleção búlgara. Tinha um chute potente e arriscava frequentemente de fora da área, inclusive sendo opção nas cobranças de faltas diretas.
(Imagem: http://bnr.bg)
● Trifon Marinov Ivanov (Трифон Маринов Иванов, em búlgaro) nasceu em 27/07/1965, na cidade de Veliko Tărnovo, no norte da Bulgária. Deu seus primeiros passos no futebol em uma equipe da região onde nasceu, aos 18 anos, o Etar Veliko Tărnovo. Aos 23 anos, foi atuar no gigante de seu país, o CSKA Sofia, onde ficou por dois anos nessa primeira passagem, conquistando vários títulos, dentre eles o bicampeonato búlgaro.
Entre 1990 e 1993, atuou no Real Betis, da Espanha, mas voltando aos clubes anteriores por curtos empréstimos: Etar Veliko Tărnovo (em 1991) e CSKA Sofia (1992). Nessa época, foi sondado pelo Barcelona para ocupar o lugar de Ronald Koeman, que estava lesionado, mas o presidente do Betis impediu, afirmando que o clube precisava dele.
Em 1993, foi jogar no Neuchâtel Xamax, da Suíça. Voltou ao CSKA em um novo e ligeiro empréstimo em 1995.
Ainda em 1995, foi atuar no Rapid Wien, onde ficou por dois anos e venceu a Bundesliga Austríaca de 1995/96 e chegou na decisão da Recopa Europeia, perdendo a final para o PSG de Raí.
Jogou a temporada 1997/98 no rival Austria Wien, com um último empréstimo relâmpago ao CSKA.
Já em fim de carreira, continuou na Áustria, mas nas divisões inferiores, vestindo a camisa do inexpressivo Floridsdorfer AC até 2001, quando pendurou as chuteiras aos 36 anos.
(Imagem: blogartedabola.com.br)
● Mas seus grandes momentos foram mesmo com a camisa da seleção de seu país. Era fundamental para uma equipe com vocação ofensiva. Ele servia de “limpa trilhos”. Disputou 77 partidas pela seleção e marcou seis gols.
Aqui cabe um “parêntese”. Em cinco participações anteriores e 16 partidas disputadas, a Bulgária nunca tinha vencido um único jogo em Copas do Mundo (10 derrotas e 6 empates). Nada dizia que seria diferente em 1994, ao ser goleada logo na estreia pela Nigéria por 3 a 0. Mas a partir do segundo jogo, sob a batuta do maestro Stoichkov e o suor de Ivanov e seus companheiros, o time foi engrenando e chegou nas semifinais, dando trabalho para a Itália de Roberto Baggio, vendendo caro a derrota por 2 x 1. Na decisão do 3° lugar, a Bulgária se descaracterizou e foi goleada por 4 x 0 pela Suécia. O Lobo Búlgaro falou sobre esse jogo em outubro de 2013, em uma entrevista à revista So Foot:
“Todo mundo jogou por si próprio na decisão do terceiro lugar da Copa. Eu pedi para o técnico para ser substituído no intervalo, mas ele não quis. Eu nunca vou me esquecer do quarto gol, de Larsson. Eu não consegui pará-lo. Então, disse que ou ele me substituía ou eu saía de campo. E finalmente ele me tirou”.
A queda de nível de uma equipe limitada nos anos seguintes acentuou ainda mais a importância do talento de Stoichkov e a raça e liderança de Ivanov (capitão de sua seleção entre 1996 e 1998). A Bulgária não passou de fase na Eurocopa de 1996 e na Copa de 1998. Aliás, depois dessa prolífica geração, os búlgaros nunca mais se classificaram para uma Copa do Mundo e disputaram apenas uma Euro (2004, caindo na primeira fase).
Disciplinado, o próprio zagueiro disse que foi expulso apenas duas vezes na carreira, sendo uma quando atuava na Áustria. Um adversário o chamou de “búlgaro sujo” e Ivanov o acertou com uma cotovelada, pegando seis jogos de gancho. A segunda vez foi em um amistoso contra a seleção da Itália, em Sófia. Gianluca Vialli cuspiu em sua cara e Trifon o levou ao chão.
Nunca se importou com as regras extra-campo, a ponto de ter sido visto bebendo e fumando minutos antes de um jogo na Copa de 1994.
Certa vez, quando ainda era jogador, Ivanov comprou e teve por pouco tempo um tanque de guerra do exército. Ele o conduziu no campo por duas vezes, apenas para testá-lo, mas um jornal sensacionalista local publicou que Ivanov andava com tanques. A partir daí ele começou com o hábito de não conceder entrevistas.
Após se retirar dos gramados, Ivanov preferiu viver recluso na sua cidade natal com sua família e continuou evitando a imprensa. A partir daí, enfrentou adversários mais ferozes, como a depressão, o alcoolismo e a obesidade. Em agosto de 2015, foi internado por problemas cardíacos. Mas em 13/02/2016 esse mesmo coração não resistiu a um ataque fulminante e faleceu aos 50 anos.
A admiração dos brasileiros pelo Lobo Búlgaro (seu apelido mais marcante) é tamanha que em 2013 foi criada a Copa Trifon Ivanov, um campeonato de várzea para “esforçados” de São Paulo. Ao descobrir o torneio, os jornalistas búlgaros estavam completamente confusos: “A Copa Trifon Ivanov será realizada neste sábado. Até agora, nada de anormal. Só que… o torneio será realizado no Brasil!”, escreveram perplexos na época da primeira edição, tentando explicar a idolatria pelo zagueiro por ele ter se tornado um ícone cult entre os fãs do futebol da década de 90.
Na verdade, Trifon representou muito mais do que um jogador de futebol. Ele deixou um ensinamento puro, simples e admirável: a dedicação e o esforço incondicionais nunca são demais. Se eles não superam o talento nato, pelo menos eleva o ser humano, tanto em nível pessoal, quanto profissional.
E a lembrança de Ivanov a partir de uma figurinha é muito mais do que aquele jogador, aquela seleção ou aquela Copa. É símbolo de uma era, de uma época boa das nossas vidas.
(Imagem: Panini)
● Feitos e premiações de Trifon Ivanov:
Pela seleção da Bulgária:
– 4° lugar na Copa do Mundo de 1994.
Pelo CSKA Sofia
– Campeão do Campeonato Búlgaro em 1988/89, 1989/90 e 1991/92.
– Campeão da Copa da Bulgária em 1988/89.
– Campeão da Supercopa da Bulgária em 1989.
Pelo Rapid Vienna:
– Campeão do Campeonato Austríaco (Bundesliga) em 1995/96.
– Campeão da Copa da Áustria em 1994/95.
– Vice-campeão da Recopa Europeia em 1995/96.
Distinções e premiações individuais:
– Eleito melhor jogador da Bulgária em 1996.
– Capitão da seleção da Bulgária entre 1996 e 1998.
(Imagem: Goal)
Pingback: ... 10/07/1994 - Bulgária 2 x 1 Alemanha - Três Pontos