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… 16/07/1966 – Portugal 3 x 0 Bulgária

Três pontos sobre…
… 16/07/1966 – Portugal 3 x 0 Bulgária


(Imagem: Lance!)

● Havia muita expectativa para a estreia de Portugal em Copas do Mundo. A base do time era o Benfica, bicampeão da Copa dos Campeões da Europa (atual UEFA Champions League) em 1960/61 e 1961/62. Toda a linha de frente da seleção lusa era benfiquista: José Augusto, Coluna, Eusébio, Torres e Simões.

Nas eliminatórias europeias, Portugal passou apertado em um grupo muito equilibrado e precisou superar seleções mais tradicionais como Tchecoslováquia, Romênia e Turquia. Mas a campanha de quatro vitórias, um empate e uma derrota qualificou os Tugas para a primeira Copa do Mundo de sua história.

Por sua vez, a Bulgária teve maior dificuldade para se qualificar para o Mundial. Terminou empatada com a Bélgica na liderança do Grupo 1 e precisou disputar um jogo-extra. Em Florença, na Itália, Georgi Asparuhov marcou os dois gols em vitória por 2 x 1 que garantiram Os demônios da Europa no Mundial de 1966.

Em um grupo fortíssimo, os búlgaros eram meros azarões. Era a segunda Copa do Mundo que o país disputava, a segunda seguida. Em 1962, caiu na primeira fase, com um empate e duas derrotas.


Portugal atuava no 4-2-4. Liderado por Eusébio, o ataque tinha muita força e mobilidade. O capitão Coluna era mesmo a coluna vertebral do time, aparecendo em todos os espaços.


A Bulgária jogava no sistema 4-2-4 convencional.

● Em sua estreia em Copas do Mundo, Portugal venceu a Hungria por 3 x 1. A Bulgária havia perdido para o Brasil por 2 x 0 em sua primeira partida.

Os búlgaros precisavam da vitória para continuarem com chance de classificação. Por isso, o técnico austríaco-tcheco Rudolf Vytlačil (o mesmo que levou a Tchecoslováquia ao vice-campeonato em 1962) escalou um time mais ofensivo. Mas Portugal fez um gol logo no início e atrapalhou todos os seus planos.

Aos sete minutos de partida, Jaime Graça abriu na esquerda para o grandalhão José Torres. Ele cortou a marcação de Dimitar Penev e cruzou da linha de fundo. Ivan Vutsov não percebeu que não havia nenhum português por perto, se apavorou e mergulhou, desviando de cabeça contra as próprias redes.

Dobromir Zhechev, que havia enchido Pelé de porrada no primeiro jogo, agora era incumbido de fazer o mesmo com Eusébio. Mas enquanto o brasileiro tentou resolver tudo sozinho e levava mais pancadas, Eusébio foi inteligente e passou a cair pelas pontas, arrastando Zhechev e abrindo espaços para a infiltração de José Augusto pelo meio.

Aos 17′, uma cabeçada de Torres acertou o travessão.

Aos 23′, no melhor momento da Bulgária no jogo, Asparukhov carimbou a trave direita do goleiro José Pereira.

Mas Portugal jogava melhor e tinha um time muito melhor.

O segundo gol saiu aos 38′. António Simões carregou a bola pelo meio e fez o passe na medida para Eusébio virar e bater rasteiro. A bola foi no canto direito do goleiro Georgi Naydenov, que chegou a tocar, mas não conseguiu evitar o gol. Foi o primeiro dos nove gols que tornaria Eusébio o artilheiro do Mundial.

No segundo tempo, a Bulgária não conseguia ficar com a posse de bola e muito menos atacar. O técnico Vytlačil compreendeu que não teria muitas chances e posicionou seu time mais na defensiva.

Portugal finalizou oito vezes e a Bulgária só uma, em um chute de Asparukhov que passou muito perto. O camisa 9 batalhava sozinho no ataque búlgaro, mas não tinha sucesso.

Aos 36′ do segundo tempo, Hilário deu um chutão para a frente e a defesa búlgara falhou. Vutsov desistiu da jogada e Torres correu atrás da bola. Boris Gaganelov tentou recuar para o goleiro, mas Torres chegou antes e completou para o gol.


(Imagem: Getty Images / Popperfoto)

● No dia anterior, a Seleção Brasileira tinha sido derrotada pela Hungria por 3 x 1. A vitória sobre os búlgaros deixou os portugueses em ótima situação, a ponto de poder até perder para o Brasil na última rodada que, ainda assim, se classificaria. A segunda vaga ficaria entre Brasil e Hungria, sendo que o Brasil precisaria vencer Portugal por uma boa diferença de gols se quisesse continuar sonhando com o tricampeonato e os húngaros entrariam em campo um dia depois dos brasileiros, já sabendo do resultado que iria precisar ao enfrentar a eliminada Bulgária.

Na última rodada, a Bulgária foi derrotada pela Hungria por 3 x 1 e ficou na lanterna do Grupo 3. Os magiares ficaram com a segunda colocação no grupo e enfrentariam a União Soviética nas quartas de final.

A seleção portuguesa continuou sua história no Mundial de 1966 vencendo a Seleção Brasileira por 3 x 1 e eliminando os bicampeões mundiais. Com a liderança da chave, os lusos enfrentaram a Coreia do Norte nas quartas de final e venceram espetacularmente de virada por 5 x 3, depois de estarem perdendo por 3 x 0 após 25 minutos de partida. Nas semifinais, vendeu caro a derrota para a Inglaterra, dona da casa, por 2 x 1. Conquistou o histórico 3º lugar ao vencer a União Soviética por 2 x 1.

O treinador de campo era o brasileiro Otto Glória, mas a seleção portuguesa era escolhida por Manuel da Luz Afonso, ex-dirigente do Benfica. Ele foi o selecionador nacional de 1964 a 1967. Para o Mundial de 1966 ele convocou oito atletas do Sporting (campeão português da temporada 1965/66), sete do Benfica, três do Porto, dois do Belenenses, um do Leixões e um do Vitória de Setúbal. Inclusive, foi Afonso quem escolheu Otto Glória, do Sporting, como treinador.

Curiosamente, quatro dos titulares da seleção das Quinas eram nascidos em Moçambique: Vicente, Hilário, Coluna e Eusébio.


(Imagem: Alamy Stock Photo)

FICHA TÉCNICA:

 

PORTUGAL 3 x 0 BULGÁRIA

 

Data: 16/07/1966

Horário: 15h00 locais

Estádio: Old Trafford

Público: 25.438

Cidade: Manchester (Inglaterra)

Árbitro: José María Codesal (Uruguai)

 

PORTUGAL (4-2-4):

BULGÁRIA (4-2-4):

3  José Pereira (G)

1  Georgi Naydenov (G)

22 Alberto Festa

2  Aleksandar Shalamanov

5  Germano

5  Dimitar Penev

4  Vicente

3  Ivan Vutsov

9  Hilário

4  Boris Gaganelov (C)

16 Jaime Graça

6 Dobromir Zhechev

10 Mário Coluna (C)

13 Dimitar Yakimov

12 José Augusto

7  Dinko Dermendzhiev

13 Eusébio

9  Georgi Asparuhov

18 José Torres

10  Petar Zhekov

11 António Simões

16 Aleksandar Kostov

 

Técnico: Otto Glória

Técnico: Rudolf Vytlačil

 

SUPLENTES:

 

 

1  Américo (G)

21 Simeon Simeonov (G)

2  Joaquim Carvalho (G)

22 Ivan Deyanov (G)

17 João Morais

18 Evgeni Yanchovski

20 Alexandre Baptista

19 Vidin Apostolov

21 José Carlos

20 Ivan Davidov

14 Fernando Cruz

12 Vasil Metodiev

19 Custódio Pinto

8  Stoyan Kitov

6  Fernando Peres

15 Dimitar Largov

7  Ernesto Figueiredo

17 Stefan Abadzhiev

8  João Lourenço

14 Nikola Kotkov

15 Manuel Duarte

11 Ivan Kolev

 

GOLS:

7′ Ivan Vutsov (POR) (gol contra)

38′ Eusébio (POR)

81′ José Torres (POR)

 

ADVERTÊNCIAS:

70′ Eusébio (POR)

70′ Dinko Dermendzhiev (BUL)

Melhores momentos da partida:

… 23/07/1966 – Portugal 5 x 3 Coreia do Norte

Três pontos sobre…
… 23/07/1966 – Portugal 5 x 3 Coreia do Norte


(Imagem: FIFA.com / Popper Foto)

● Ambas seleções estreavam em Copas do Mundo.

Portugal não era uma surpresa. Era uma seleção em afirmação no cenário mundial. Tinha terminado o Grupo 3 com 100% de aproveitamento, vencendo Hungria (3 x 1) e Bulgária (3 x 0), além de eliminar diretamente o bicampeão Brasil na última rodada (vitória lusa por 3 x 1). Os patrícios tinham uma equipe coesa, que superava seus problemas defensivos com uma fortíssima (e violenta) marcação. Além disso, possuía o melhor jogador do mundo na época, o moçambicano Eusébio, eleito Bola de Ouro de 1965 pela revista France Football.

Ninguém conhecia a seleção da Coreia do Norte, principalmente por causa de seu fechado sistema político que perdura até os dias atuais. A Coreia já tinha causado surpresa na primeira fase. Começou perdendo para a União Soviética por 3 a 0 e empatando com o Chile por 1 a 1. Mas, na última rodada, fez o mundo inteiro ficar de queixo caído ao vencer a toda-poderosa Itália por 1 a 0. Se classificou em segundo lugar do Grupo 4, atrás apenas dos soviéticos.

De qualquer forma, mesmo em igualdade de condições a partir do mata-mata, os asiáticos eram considerados azarões.


Portugal atuava no 4-2-4. Liderado por Eusébio, o ataque tinha muita força e mobilidade. O capitão Coluna era mesmo a coluna vertebral do time, aparecendo em todos os espaços.


A Coreia do Norte jogava no 4-2-4, com muita correria e velocidade.

● Os norte-coreanos começaram o jogo com muita personalidade. Com poucos segundos jogados, o meio campo rouba a bola e em apenas dois passes cria a primeira chance de gol. Han Bong-zin avança pela ponta direita e rola para a entrada da área. Pak Seung-zin chuta de primeira. A bola bate no travessão e entra. O goleiro português nem se mexe. Surpresa geral. O começo letal e em alta velocidade deixou todos boquiabertos em Liverpool.

Portugal pressionava. Mas aos 22 minutos, um novo contra-ataque rápido da Coreia resulta no segundo gol. Yang Seung-kook evita a saída da bola pela linha de fundo e cruza da esquerda. Na pequena área, o goleiro José Pereira afasta mal e Li Dong-woon emenda de primeira para as redes.

Era difícil de acreditar. A maioria da torcida presente no estádio era pela seleção asiática. E essa torcida começou a gritar: “We want three!” (“Nós queremos três!”) Foi atendida três minutos depois. Yang Seung-kook avançou pelo meio, entrou na área, trombou com a marcação e chutou no canto direito.

Os portugueses estavam perplexos. A defesa que tinha sofrido apenas dois gols na primeira fase, tinha acabado de tomar o terceiro em apenas 25 minutos. Eusébio diria, a respeito desse jogo: “No primeiro gol, pensei na derrota da Itália. No segundo gol, achei que a coisa estava ficando perigosa. No terceiro gol, pensei: ‘a Itália não conseguiu fazer nenhum gol neles… complicou!'”


(Imagem: FIFA.com / Popper Foto)

● Foi só a partir desse momento que Portugal colocou a bola no chão, respirou e correu atrás do prejuízo. O craque Eusébio chamou a responsabilidade para si e acabaria se tornando o herói da partida. Ele jogou a Copa com a camisa nº 13 a contragosto, mas o número parece ter dado sorte a ele. Dois minutos depois do terceiro gol coreano, ele diminuiu a diferença. José Augusto rolou a bola para a área e Eusébio apareceu antes de dois zagueiros e do goleiro, mandando no alto do gol.

Aos 43 minutos, passe de Eusébio para Torres. O centroavante grandalhão foi derrubado na área por Shin Yung-kyoo. O árbitro israelense Menachem Ashkenazi apontou para a marca penal. Eusébio cobrou no alto, no canto direito e voltou a dar esperança de classificação a seu país. Com apenas um gol de diferença contra, os europeus voltaram para o jogo.

O goleiro Lee Chang-myung fez grandes defesas e evitou a virada dos ibéricos ainda na primeira etapa. Mas, com Eusébio naquela forma esplendorosa, seria inevitável.

Sem experiência, o time asiático não conseguiu sustentar sua enorme vantagem no segundo tempo e continuou jogando no ataque. Mas nenhuma equipe do mundo conseguiria manter esse ritmo de correria alucinante. Os coreanos, que haviam corrido muito até então em todo o Mundial, começaram a sentir mais ainda o desgaste físico.

Por sua vez, Portugal tocava a bola, se aproveitando da técnica mais apurada. Enquanto Eusébio brilhava individualmente, seu conterrâneo, o também moçambicano Mário Coluna, o capitão e camisa 10, marcava, organizava, lançava, criava e finalizava. Outra grande estrela daquela seleção lusa.

Aos 11 minutos da etapa complementar, Simões lançou Eusébio pela direita. Do bico da pequena área, o camisa 13 disparou e tocou por cobertura. Um golaço! Era o empate! Incrível!

A virada veio apenas três minutos depois. Eusébio arrancou em velocidade pela esquerda e enfileirou dois marcadores. Ao invadir a área, foi derrubado infantilmente por Lim Zoong-sun. Pênaltis eram uma das especialidades de Eusébio. Ele cobrou com força, no alto, à direita, e colocou Portugal em vantagem pela primeira vez na partida. Era o quarto gol de Eusébio, igualando o recorde de gols marcados em uma partida de Copa do Mundo.

Mas “Os Magriços” só descansaram mesmo ao anotarem o quinto gol, a dez minutos do fim. Coluna cobrou escanteio para a área, Torres escorou de cabeça e José Augusto, sozinho na pequena área, cabeceia para o gol e põe fim às movimentações no placar. Fim de jogo: Portugal 5 x 3 Coreia do Norte.


(Imagem: AP / PA Archive / Press Association Images)

● Certamente esse foi um dos jogos mais emocionantes e dramáticos da história dos Mundiais. É a segunda maior virada da história das Copas, atrás apenas de Suíça 5 x 7 Áustria, em 1954.

Nessa partida, Eusébio, o “Pantera Negra” se tornou o quinto jogador a marcar quatro gols em uma partida de Copa do Mundo. Os outros foram o polonês Ernest Wilimowski (Polônia 5 x 6 Brasil, em 1938), o brasileiro Ademir de Menezes (Brasil 7 x 1 Suécia, em 1950), o húngaro Sándor Kocsis (Hungria 8 x 3 Alemanha Ocidental, em 1954) e o francês Just Fontaine (França 6 x 3 Alemanha Ocidental, em 1958). Em diversas localidades, esse feito é chamado de “Pôquer” ou “Quatrilho”.

Após a eliminação do Brasil, a Coreia do Norte herdou o ônibus que transportava a Seleção, ainda com a expressão “Brazilian Football Team” pintada na lateral. Não deu muita sorte. Assim como os brasileiros, os coreanos também foram eliminados pelos portugueses jogando em Liverpool.

Curiosamente, o comitê organizador do Mundial decidiu não executar nenhum hino nacional antes das partidas, como sempre foi o protocolo. O Reino Unido não tinha relações diplomáticas com a Coreia do Norte e não tocaria o hino do país em seu território. Assim, decidiram não tocar nenhum. Os hinos só começaram a ser executados após a eliminação dos norte-coreanos.

Em sua primeira Copa do Mundo, Portugal estava merecidamente entre os quatro melhores e enfrentaria a anfitriã Inglaterra nas semifinais.

Mas, curiosamente, quando o árbitro apitou o final da partida, a seleção da Coreia do Norte que foi aplaudida de pé pelos 40.248 presentes no estádio Goodson Park. O conto de fadas norte-coreano chegava ao fim. Eles exibiram um belo e envolvente futebol. Chegaram entre os oito melhores do Mundial, feito que só seria superado pela co-irmã Coreia do Sul em 2002.


(Imagem: FIFA.com / Popper Foto)

FICHA TÉCNICA:

 

PORTUGAL 5 x 3 COREIA DO NORTE

 

Data: 23/07/1966

Horário: 15h00 locais

Estádio: Goodison Park

Público: 40.248

Cidade: Liverpool (Inglaterra)

Árbitro: Menachem Ashkenazi (Israel)

 

PORTUGAL (4-2-4):

COREIA DO NORTE (4-2-4):

3  José Pereira (G)

1  Lee Chang-myung (G)

17 João Morais

14 Ha Jung-won

20 Alexandre Baptista

5  Lim Zoong-sun

4  Vicente

13 Oh Yoon-kyung

9  Hilário

3  Shin Yung-kyoo

16 Jaime Graça

6  Im Seung-hwi

10 Mário Coluna (C)

11 Han Bong-zin

12 José Augusto

8  Pak Seung-zin (C)

13 Eusébio

16 Li Dong-woon

18 José Torres

7  Pak Doo-ik

11 António Simões

15 Yang Seung-kook

 

Técnico: Otto Glória

Técnico: Myung Rye-hyun

 

SUPLENTES:

 

 

1  Américo (G)

9  Lee Keun-hak (G)

2  Joaquim Carvalho (G)

2  Pak Li-sup

22 Alberto Festa

19 Kim Yung-kil

21 José Carlos

20 Ryoo Chang-kil

5  Germano

4  Kang Bong-chil

14 Fernando Cruz

18 Ke Seung-woon

19 Custódio Pinto

21 An Se-bok

6  Fernando Peres

10 Kang Ryong-woon

7  Ernesto Figueiredo

12 Kim Seung-il

8  João Lourenço

17 Kim Bong-hwan

15 Manuel Duarte

22 Li Chi-na

 

GOLS:

50” Pak Seung-zin (COR)

22′ Li Dong-woon (COR)

25′ Yang Seung-kook (COR)

27′ Eusébio (POR)

43′ Eusébio (POR) (pen)

56′ Eusébio (POR)

59′ Eusébio (POR) (pen)

80′ José Augusto (POR)

 

ADVERTÊNCIA: Mário Coluna (POR)

Gols e outros lances da partida:

… 19/07/1966 – Portugal 3 x 1 Brasil

Três pontos sobre…
… 19/07/1966 – Portugal 3 x 1 Brasil


(Imagem: Fernando Amaral FC)

● Era o encontro mais aguardado da primeira fase. Na cidade de Liverpool, no estádio Goodison Park, do Everton, 58.479 pessoas iriam assistir ao encontro de duas das melhores equipes da década. O Brasil do Rei Pelé enfrentaria Portugal, do “príncipe” Eusébio, o “Pantera Negra”.

No Brasil, o otimismo era intenso e inveterado, contaminando torcida, imprensa e jogadores. Ninguém seguraria a Seleção, com Pelé e Garrincha ainda mais experientes que nas duas Copas anteriores. A revista Realidade chegou a publicar uma reportagem de capa prevendo como o Brasil conquistaria o tri.

A preparação brasileira foi uma enorme festa. O técnico Vicente Feola montou um grupo deveras inchado, com 47 jogadores, que se exibiu em cinco cidades brasileiras antes de embarcar para a Inglaterra. Além disso, a preparação física feita por Rudolf Hermanny, especialista em judô, se mostraria um enorme fiasco.

Dessa forma, o Brasil se tornou uma mescla mal feita entre alguns craques bicampeões nas duas Copas anteriores, com Gylmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando, Zito, Garrincha e Pelé, além de jogadores que viriam a encantar o mundo em 1970, como Brito, Gérson, Tostão e Jairzinho. Várias unanimidades ficaram fora da lista final, como Carlos Alberto Torres, Djalma Dias, Roberto Dias, Servílio e outros.

Em compensação, Portugal chegou voando ao Mundial, tendo como base a equipe do Benfica, bicampeã da Copa dos Campeões da Europa (atual UEFA Champions League) no início da década. Treinada pelo brasileiro Otto Glória, Portugal tinha uma ótima equipe a partir do meio campo. Todos os jogadores da linha de frente vestiam a gloriosa camisa encarnada: José Augusto, Coluna, Eusébio, Torres e Simões. O “calcanhar de Aquiles” era o fraco sistema defensivo, que compensava com virilidade e violência.

Estreante em Copas do Mundo, “Os Magriços” começaram a competição com tudo, ao vencer a forte Hungria por 3 a 1. Na segunda rodada, inapelavelmente bateu a Bulgária por (baratos) 3 a 0. Assim, estava praticamente assegurado na fase seguinte, faltando apenas a confirmação matemática.

O Brasil começou bem, vencendo uma frágil Bulgária por 2 a 0, na última partida de Pelé e Garrincha juntos pela Seleção. Eles nunca perderam atuando juntos. Foram 40 partidas, com 36 vitórias e quatro empates. Curiosamente os dois gols contra os búlgaros foram em cobranças de falta diretas, um anotado pelo Rei e outro por Mané.

A Seleção estava invicta em Copas do Mundo havia 13 partidas, desde a derrota para a Hungria em 1954. Mas todas as fragilidades ficaram claras com a quebra de invencibilidade na segunda rodada, uma derrota por 3 a 1 para a mesma Hungria. (Curiosamente, Djalma Santos participou dessas duas partidas.) Com uma equipe lenta, especialmente no sistema defensivo, a Seleção foi presa fácil para a ótima geração húngara, que tinha Flórián Albert e Ferenc Bene como destaques. Pelé não jogou, lesionado. Essa foi a despedida de Garrincha com o escrete canarinho e sua única derrota em um total de 60 partidas.

Assim, para conseguir a vaga na próxima fase sem depender do resultado do jogo entre Hungria e Bulgária, o Brasil precisaria bater os portugueses por três gols de diferença, por causa do critério de desempate “goal average” (número de gols marcados divididos entre o número de gols sofridos).


Portugal atuava no 4-2-4. Liderado por Eusébio, o ataque tinha muita força e mobilidade. O capitão Coluna era mesmo a coluna vertebral do time, aparecendo em todos os espaços.


Vicente Feola escalou o Brasil no sistema 4-2-4.

● Pela necessidade de mudança de postura e de resultados, o técnico Vicente Feola simplesmente “surtou” e promoveu nada menos que nove mudanças em relação à partida anterior. Só Jairzinho e Lima foram mantidos como titulares. O capitão Bellini foi barrado, com a justificativa de que não tinha mais o mesmo vigor. Mas, como veremos, nem Brito e tampouco Orlando seriam capazes de parar Eusébio no auge da forma. Ele estava voando. Ele despontou para o futebol ainda garoto, jogando em Moçambique (seu país natal) e foi indicado ao Benfica pelo brasileiro Bauer, vice-campeão do mundo em 1950.

A reformulada e desentrosada defesa brasileira errou bastante, permitindo várias chances para o adversário. Rildo chegou a tocar a bola com o braço dentro da própria área, mas o árbitro inglês não marcou a penalidade máxima. O grande goleiro Manga falhou feio duas vezes, permitindo dois gols lusos.

A boa notícia era o retorno de Pelé, que não estava no melhor de sua forma física depois de ser alvo da violência dos búlgaros e ficar fora contra os húngaros. Desde o início, a defesa lusa fazia de tudo para pará-lo, de qualquer forma – especialmente com faltas repetidamente violentas, cometidas principalmente pelos zagueiros Morais e Vicente. O árbitro George McCabe ignorava as sucessivas agressões ao Rei.

Mas a Seleção não deixou por menos. Após uma cobrança de falta de Pelé, o goleiro José Pereira faz uma defesa segura e o atacante brasileiro Silva Batuta entrou feio, empurrando o goleiro português para dentro do gol. O tempo fechou e os patrícios reclamaram muito com a arbitragem.

Melhor em campo desde o início, Portugal inaugurou o marcador aos 15 minutos de partida. Eusébio escapou pela ponta esquerda e cruzou para a área. Manga, nervoso, espalmou feio para cima e o baixinho Simões cabeceou para o gol.

Aos 27, Coluna cobrou falta, o gigante Torres (1,91 m) ganha da zaga pelo alto e escora para Eusébio. Mesmo marcado por Orlando, o “Pantera” consegue cabecear para o gol. A bola vai em cima de Manga, que não consegue fazer a defesa. Era o segundo gol luso.

Dois minutos depois, Pelé recebeu duas entradas criminosas no mesmo lance. A segunda foi do zagueiro Morais, que tirou o Rei da partida. Ele voltou para o jogo no segundo tempo, mas apenas mancava em campo, fazendo número na ponta esquerda enquanto conseguiu, já que não eram permitidas substituições à época. Com um jogador a menos e Eusébio jogando o fino da bola, ninguém acreditava mais em um resultado diferente. Muito menos os brasileiros.

O Brasil só descontaria aos 25 minutos do segundo tempo, em um de seus raros ataques. Rildo invade a área e chuta cruzado e rasteiro, no canto esquerdo do goleiro José Pereira. Naquela altura, o Brasil precisaria de mais quatro gols, pois a Hungria estava vencendo a Bulgária por 3 a 1 (placar que se manteria até o fim).

No final da partida, Eusébio cobrou uma falta com um chute fortíssimo e Manga foi no ângulo desviar para escanteio. Depois, o mesmo Eusébio foi até a linha de fundo e chutou sem ângulo, para outra bela e difícil defesa de Manga.

No escanteio oriundo dessa jogada, a cinco minutos do fim, a esquadra lusa jogou a última pá de cal sobre o Brasil. Coluna cobrou escanteio, Torres ganhou de Brito pelo alto e escorou de cabeça para Eusébio chegar como uma flecha e emendar de primeira, do bico da pequena área. E o placar de 3 a 1 se manteve até o apito final.

Portugal venceu e convenceu contra o Brasil. A impressão que se tinha era da “troca de reis”: o fim de Pelé e o início do reinado de Eusébio.

Após a partida, todos os portugueses queriam cumprimentar e consolar Pelé. Mas não tiveram pena nenhuma do camisa 10 durante os 90 minutos.


(Imagem: PA Photos / Otherimages / Época / Globo)

● Com essa derrota, o super Brasil, bicampeão em 1958 e 1962, estava vergonhosamente eliminado ainda na fase de grupos. O que parecia um grupo fácil, se enfrentado com seriedade, se tornou um dos maiores vexames da Seleção em Copas do Mundo. Era a terceira (e, por enquanto, última) vez que o Brasil caía na primeira fase de um Mundial. Foi assim também em 1930 e 1934.

Assim, terminava de forma incontestável a esperança do tricampeonato, que seria adiado por mais quatro anos.

Foi o fim da carreira do treinador Vicente Feola. Ele não conseguiu montar um time-base nem mesmo durante a disputa da Copa. Dos 22 convocados, 20 foram utilizados nas três partidas, sendo que ainda não eram permitidas substituições na época.

Desgostoso com o excesso de violência e com o fiasco brasileiro no Mundial, Pelé disse que nunca mais disputaria uma Copa do Mundo. Por sorte do universo do futebol, ele mudou logo de ideia.

Portugal terminou o Grupo 3 com 100% de aproveitamento. Nas quartas de final, teria uma partida teoricamente fácil contra a surpreendente Coreia do Norte.


(Imagem: Footy Fair)

FICHA TÉCNICA:

 

PORTUGAL 3 x 1 BRASIL

 

Data: 19/07/1966

Horário: 19h30 locais

Estádio: Goodison Park

Público: 58.479

Cidade: Liverpool (Inglaterra)

Árbitro: George McCabe (Inglaterra)

 

PORTUGAL (4-2-4):

BRASIL (4-2-4):

3  José Pereira (G)

12 Manga (G)

17 João Morais

3  Fidélis

20 Alexandre Baptista

5  Brito

4  Vicente

7  Orlando (C)

9  Hilário

9  Rildo

16 Jaime Graça

13 Denílson

10 Mário Coluna (C)

14 Lima

12 José Augusto

17 Jairzinho

13 Eusébio

19 Silva Batuta

18 José Torres

10 Pelé

11 António Simões

21 Paraná

 

Técnico: Otto Glória

Técnico: Vicente Feola

 

SUPLENTES:

 

 

1  Américo (G)

1  Gylmar (G)

2  Joaquim Carvalho (G)

2  Djalma Santos

22 Alberto Festa

4  Bellini

21 José Carlos

6  Altair

5  Germano

8  Paulo Henrique

14 Fernando Cruz

15 Zito

19 Custódio Pinto

11 Gérson

6  Fernando Peres

16 Garrincha

7  Ernesto Figueiredo

18 Alcindo Bugre

8  João Lourenço

20 Tostão

15 Manuel Duarte

22 Edu

 

GOLS:

15′ António Simões (POR)

27′ Eusébio (POR)

70′ Rildo (BRA)

85′ Eusébio (POR)

 “Os Magriços”
Era o apelido da seleção de Portugal que terminou a Copa do Mundo de 1966 em 3º lugar.
O apelido é baseado em Álvaro Gonçalves Coutinho, que era apelidado de “O Magriço”.
Álvaro era um cavaleiro português do século XIV que, juntamente com outros onze colegas, viajou para a Inglaterra para participar de um torneio para defender a honra de doze damas inglesas ofendidas por doze nobres, também ingleses.
Como essas damas não conseguiam encontrar cavaleiros na Inglaterra dispostos a lutar por suas respectivas honras, doze cavaleiros lusitanos partiram para essa luta, já que o povo português era conhecido em toda a Europa por serem defensores a honra.
A história é famosa e contada por Luís de Camões no canto VI de seu livro “Os Lusíadas”, mas é de veracidade duvidosa.

Ótima reportagem do “Canal 100” sobre a partida:

Melhores momentos da partida: