Três pontos sobre…
… 26/06/2002 – Brasil 1 x 0 Turquia
Sem Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo era o articulador das jogadas de ataque (Imagem: FIFA)
● Depois de 48 anos, a Turquia estava de volta a uma Copa do Mundo. Com uma boa geração de jogadores – a melhor de sua história – não queria apenas ser coadjuvante. Queria ser um dos personagens principais.
“Ay-Yıldızlılar” (“As Estrelas Crescentes”, no idioma turco) era um time muito equilibrado e organizado taticamente, que se defendia com eficiência e assustava no ataque. Tinha meias rápidos e habilidosos e atacantes corpulentos que sabiam usar a força física dentro da área e eram muito bons na jogada aérea.
Na primeira rodada, 23 dias antes, a Turquia vendeu caro a derrota para o Brasil por 2 x 1, em uma partida polêmica e de decisões desastrosas da arbitragem a favor do escrete canarinho. Criticados pela imprensa de seu país, os jogadores turcos decidiram que só concederiam entrevistas a jornalistas estrangeiros. Um empate contra a Costa Rica (1 x 1) e a vitória sobre a China (3 x 0) garantiram a classificação para a próxima fase. Nas oitavas de final, venceu o co-anfitrião Japão por 1 x 0. Nas quartas, eliminou a Senegal – sensação da Copa até então – com um gol de ouro de İlhan Mansız. Na semifinal, enfrentaria novamente o Brasil com sede de vingança. Os turcos sonhavam com uma inédita e histórica final.
“Depois de perdermos o primeiro jogo para o Brasil, estávamos preparados para incidentes como aquele com Rivaldo. Analisamos aquele primeiro jogo para saber como proceder no segundo.” ― Yıldıray Baştürk
Hakan Şükür era o mais perigoso do ataque turco (Imagem: FIFA)
● O Brasil vinha de cinco vitórias consecutivas. Depois de bater a Turquia na estreia, venceu China (4 x 0) e Costa Rica (5 x 2). Nas oitavas, eliminou a Bélgica com uma vitória por 2 x 0, que não refletiu o quão foi difícil o jogo. Nas quartas, venceu a Inglaterra de virada por 2 x 1, em uma tarde inspiradíssima de Ronaldinho Gaúcho. Mas no fim da partida, o “R11” foi expulso e desfalcaria o Brasil na semifinal.
Poucos dias antes, Ronaldo Fenômeno apareceu com um corte de cabelo diferente. A cabeça estava toda raspada, menos a parte da frente. Logo ganhou o apelido de “corte Cascão”, em referência ao personagem dos quadrinhos infantis criado por Maurício de Sousa. A princípio, o centroavante disse que havia pegado a máquina e cortado desse jeito apenas para brincar um pouco. Posteriormente, de acordo com o livro “Histórias insólitas de los Mundiales de fútbol”, de Luciano Wernicke, Ronaldo falou que o motivo foi outro. Ele soube que seu filho Ronald, de dois anos, estava assistindo ao jogo “Brasil x Inglaterra” e dizia “papai, papai” sempre que via o lateral Roberto Carlos no vídeo. Roberto também era careca, assim como Ronaldo. Então o camisa 9 resolveu mudar o visual para que o filho não o confundisse mais. Verdade ou não, o fato é que o cabelo desviou as atenções sobre uma lesão na coxa esquerda do atacante, que era dúvida para a partida. “Quando ele cortou o cabelo daquele jeito, eu soube que ele teria condições de jogar”, disse o técnico Luiz Felipe Scolari.
O Brasil se mostrava mais encorpado que no primeiro duelo, principalmente pela entrada de Kléberson no lugar de Juninho Paulista. A entrada do volante do Atlético Paranaense no time titular deu mais velocidade na transição e fechou melhor os espaços no meio. Sem Ronaldinho Gaúcho, Edílson foi o titular, mudando um pouco as características do ataque.
Mas o maior desafio de Scolari era manter firme a concentração dos jogadores brasileiros. A Turquia cresceu em nível técnico e em autoconfiança desde o último confronto entre os dois.
Felipão apostou no sistema 3-5-2, para liberar o avanço dos laterais. A seleção ficou mais sólida na defesa e continuou forte no ataque.
Şenol Güneş mudou o esquema para o 4-4-2. As apostas turcas eram na defesa bem postada, na criatividade de Yıldıray Baştürk, na velocidade de Hasan Şaş e no oportunismo de Hakan Şükür.
● O Brasil parou às 08h30 da manhã daquela quarta-feira para assistir à semifinal da Copa do Mundo de 2002.
A Turquia adotou uma formação mais ofensiva do que a do primeiro jogo em Ulsan. Şenol Güneş mudou inclusive o sistema tático, do 3-5-2 para o 4-4-2. Algumas peças desse xadrez também mudaram. Na lateral esquerda, Ergün Penbe entrou no lugar de Hakan Ünsal. Também saiu do time o zagueiro Ümit Özat para a entrada do meia Ümit Davala.
No início da partida, o Brasil sofreu para criar jogadas de ataque e foi dominado pela Turquia nos 20 minutos iniciais.
A primeira jogada de perigo foi dos turcos, aos seis minutos. Emre arriscou de fora da área e Marcos pulou um pouco atrasado e espalmou para escanteio.
Três minutos depois, Emre cobrou falta próxima à área e Marcos tirou de soco.
Bem marcados, os craques brasileiros não conseguiam uma jogada individual. Sem Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo era o incumbido de criar as jogadas de ataque, mas errava muito. Ronaldo estava ofuscado pela marcação e pelas dores.
Yıldıray Baştürk abriu na direita para Fatih. O lateral cortou para a perna esquerda e cruzou para a área. Alpay apareceu sozinho na marca do pênalti cabeceou no cantinho, mas Marcos voou na bola e espalmou para escanteio. Uma grande defesa.
Mas tudo mudou a partir dos 25 minutos. O time brasileiro começou a se acertar e fez do goleiro Rüştü o melhor em campo. Uma das marcas registradas do goleiro turco Rüştü Reçber era a pintura que ele fazia no rosto para evitar o reflexo da luz – assim como fazem os jogadores de futebol americano. Um ano depois do Mundial, ele se transferiu para o Barcelona, mas só vestiu a camisa blaugrana por sete partidas, na temporada 2003/04.
Da esquerda, Kléberson tocou para Rivaldo no meio. Ele passou para Ronaldo, que abriu na direita onde chegava Cafu. O capitão brasileiro invadiu a área, dominou e chutou forte, mesmo sem muito ângulo. Rüştü fez uma boa defesa e a bola saiu por cima do gol.
Pouco depois, Roberto Carlos tocou de cabeça para Edílson, que deixou com Rivaldo no meio. O camisa 10 passou entre dois marcadores e chutou cruzado de longe, com muito veneno. A bola quicou e atrapalhou Rüştü, que soltou nos pés de Ronaldo (como faria Oliver Kahn quatro dias depois), mas o Fenômeno não chegou inteiro na bola e chutou em cima do goleiro, que segurou a bola em dois tempos.
Ronaldo arrancou do meio de campo, tabelou com Rivaldo e trombou com um marcador. Rivaldo pegou a sobra na meia lua e chutou colocado. Rüştü – o melhor em campo – voou no cantinho esquerdo e espalmou para escanteio.
Edílson avançou e tocou para Rivaldo. Quase da mesma posição, ele chutou novamente no mesmo cantinho esquerdo. A bola passou perto, mas foi direto para fora.
O Brasil insistia em busca do gol. Gilberto Silva roubou a bola no campo de ataque e Roberto Carlos cruzou para a área. Ronaldo não conseguiu alcançar de carrinho e Rüştü defendeu do jeito que pôde.
Nada de gol até o intervalo.
Ronaldo se arrastava por causa de uma lesão muscular e errava tudo que tentava. Tudo indicava que ele seria substituído e nem voltaria para a etapa final. Felizmente não foi. Scolari manteve o camisa 9 para o segundo tempo e acabou premiado com a teimosia.
Logo aos quatro minutos do segundo tempo, Gilberto Silva arrancou pela esquerda e tocou para Ronaldo na intermediária ofensiva. Ele passou por Bülent Korkmaz, invadiu a área e, mesmo cercado, bateu cruzado de bico (ao melhor estilo Romário). A bola foi no cantinho esquerdo de Rüştü, que chegou a tocar nela, mas não impediu o sexto gol de Ronaldo no Mundial.
Ronaldo arrancou e marcou o gol da partida (Imagem: Ricardo Correa / Veja)
“Ronaldinho encosta. Tocou pro Ronaldinho, botou na frente. Isso Ronaldinho, acredita Ronaldinho. Bateu pro gol. Goooooool! Rrrrrrronaldinho é o nome dele!” ― Galvão Bueno
“Aquele jogo foi bem difícil. Eu tive um primeiro tempo com poucas ocasiões. O time sofrendo até a pressão da Turquia. E logo no segundo tempo o time começou a crescer e no final eu tive a sorte de, em uma jogada individual, pegar e levar até a grande área e dar um biquinho na bola e ela foi no cantinho. Fiz o gol da vitória. Mas esse jogo pra mim foi e vai ser inesquecível.” ― Ronaldo
O Brasil queria mais. Em um contra-ataque, Rivaldo abriu na esquerda para Ronaldo, que encontrou Kléberson livre. Já dentro da área, o volante chutou sem força e no meio do gol. Ficou fácil para a defesa do goleiro.
Ronaldo avançou pelo meio e viu a infiltração de Edílson pela esquerda. O passe foi bom, mas o “Capetinha” finalizou mal e mandou a bola para fora.
Na metade do segundo tempo, Ronaldo foi descansar e deu lugar a Luizão.
Edílson puxou outro contragolpe e abriu para Cafu na direita. O capitão cruzou para a marca do pênalti e Luizão emendou um bonito voleio. A bola quicou no chão e saiu por cima do gol.
O Brasil perdia chances de matar o jogo por pura ansiedade no momento da finalização.
Ergün Penbe avançou e tocou para İlhan Mansız na ponta esquerda. Na tentativa de cruzamento, a bola encobriu Marcos e passou bem perto do travessão. O goleiro brasileiro conseguiu tocá-la para fora com a ponta dos dedos.
Aos 40 minutos da etapa final, o lateral Belletti entrou no lugar de Kléberson. Belletti já tinha jogado no meio de campo no início da carreira e entrou para ajudar a fechar o meio de campo e garantir a vitória. Com isso, Scolari colocou em campo 21 dos 23 jogadores convocados. Apenas os goleiros Dida e Rogério Ceni não entraram em campo.
A Turquia teve sua última chance de empatar já perto do fim. Hasan Şaş bateu falta da esquerda e Hakan Şükür emendou um voleio, mas São Marcos estava em cima para mandar para escanteio.
No fim da partida, uma das cenas mais marcantes da história das Copas. Na intensão de ganhar tempo, Denílson conduziu a bola para a lateral e foi perseguido por quatro marcadores turcos. Uma imagem hilária.
Após viver um conto de fadas, a Turquia estava eliminada da Copa do Mundo.
No fim, valeu pela vitória – a sexta consecutiva, igualando o recorde de 1970. Mas o placar foi magro pelo que foi a partida. Mas o que mais importava é a vaga na decisão – a terceira final seguida do Brasil (1994, 1998 e 2002).
Denílson puxou a marcação de quatro turcos, em lance histórico (Imagem: Getty Images / CBF)
● Na decisão do 3º lugar, a Turquia confirmou sua fama de visitante indesejado, estraga prazeres, e venceu a outra anfitriã, a Coreia do Sul, por 3 x 2. Um resultado e uma classificação final histórica e merecida para o selecionado turco.
Na final, o Brasil contou com dois gols de Ronaldo e conquistou o pentacampeonato mundial, como contamos detalhadamente aqui.
Edílson “Capetinha” foi o substituto de Ronaldinho Gaúcho, mas não conseguiu brilhar (Imagem: ESPN)
● FICHA TÉCNICA: |
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BRASIL 1 x 0 TURQUIA |
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Data: 26/06/2002 Horário: 20h30 locais Estádio: Saitama 2002 Público: 61.058 Cidade: Saitama (Japão) Árbitro: Kim Milton Nielsen (Dinamarca) |
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BRASIL (3-5-2): |
TURQUIA (4-4-2): |
1 Marcos (G) |
1 Rüştü Reçber (G) |
3 Lúcio |
4 Fatih Akyel |
5 Edmílson |
5 Alpay Özalan |
4 Roque Júnior |
3 Bülent Korkmaz |
2 Cafu (C) |
18 Ergün Penbe |
8 Gilberto Silva |
8 Tugay Kerimoğlu |
15 Kléberson |
22 Ümit Davala |
6 Roberto Carlos |
21 Emre Belözoğlu |
20 Edílson |
10 Yıldıray Baştürk |
10 Rivaldo |
11 Hasan Şaş |
9 Ronaldo |
9 Hakan Şükür (C) |
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Técnico: Luiz Felipe Scolari |
Técnico: Şenol Güneş |
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SUPLENTES: |
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12 Dida (G) |
12 Ömer Çatkıç (G) |
22 Rogério Ceni (G) |
23 Zafer Özgültekin (G) |
13 Belletti |
2 Emre Aşık |
14 Ânderson Polga |
16 Ümit Özat |
16 Júnior |
20 Hakan Ünsal |
18 Vampeta |
14 Tayfur Havutçu |
7 Ricardinho |
13 Muzzy Izzet |
19 Juninho Paulista |
7 Okan Buruk |
23 Kaká |
19 Abdullah Ercan |
17 Denílson |
15 Nihat Kahveci |
11 Ronaldinho Gaúcho |
6 Arif Erdem |
21 Luizão |
17 İlhan Mansız |
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GOL: 49′ Ronaldo (BRA) |
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CARTÕES AMARELOS: |
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41′ Gilberto Silva (BRA) |
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59′ Tugay Kerimoğlu (TUR) |
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90′ Hasan Şaş (TUR) |
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SUBSTITUIÇÕES: |
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62′ Emre Belözoğlu (TUR) ↓ |
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İlhan Mansız (TUR) ↑ |
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68′ Ronaldo (BRA) ↓ |
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Luizão (BRA) ↑ |
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74′ Ümit Davala (TUR) ↓ |
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Muzzy Izzet (TUR) ↑ |
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75′ Edílson (BRA) ↓ |
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Denílson (BRA) ↑ |
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85′ Kléberson (BRA) ↓ |
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Belletti (BRA) ↑ |
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88′ Yıldıray Baştürk (TUR) ↓ |
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Arif Erdem (TUR) ↑ |
Gol do jogo:
Lance de Denílson cercado por quatro jogadores turcos:
Lances marcantes da partida (Rede Globo):
Lances da partida: